domingo, 11 de outubro de 2009

Bohemian Rapsody" – o primeiro videoclipe permanece original

Como não havia uma coluna dedicada exclusivamente a analisar e discutir o videoclipe? Seria ele uma arte menor ou apenas um aparato comercial para divulgar uma determinada canção e seu artista? Pode ser que você tenha se questionado inúmeras vezes a este respeito. Agora há um espaço para que as principais realizações do gênero, assim como sua história e curiosidades, sejam analisadas quinzenalmente.
Mas como começar? Esta pergunta incomoda 100 entre 100 escritores na hora de iniciar um novo trabalho. A maioria provavelmente vai se dar por satisfeita com a resposta: onde tudo começou. Apesar de ela ser um tanto quanto vaga, no caso do videoclipe, há um certo consenso de que o primeiro realizado foi "Bohemian Rapsody", dirigido em 1975 por Bruce Gowers para a banda inglesa Queen. Portanto, seis anos antes do surgimento da MTV americana.
Prefiro tomar esta afirmação como verdadeira. É muito bom acreditar que um gênero tão importante para a televisão já tenha nascido extremamente criativo e inovador, a ponto do seu inaugurador ser considerado até hoje um dos melhores trabalhos realizados.
Logo no começo vemos a sombra de três integrantes da banda cantando à capela num fundo rosado. Mal entra o primeiro acorde e temos um corte para o rosto de todos os caras do Queen – o vocalista Freddie Mercury, o guitarrista Brian May, o baterista Roger Taylor e o baixista John Deacon - num fundo preto. Imagem que passa a impressão de algo sacro. Temos, então, o rosto do vocalista sozinho se misturando a imagem dos colegas e a sua própria.
Apenas esta seqüência inicial provava que chegara ao fim os números musicais da televisão que antecederam o videoclipe. Afinal, o que tínhamos até então era o artista interpretando sua canção no cenário da emissora com poucos cortes e pouca movimentação cênica. Era mais uma performance do que uma tentativa de transformar música em imagem.
Em seguida, temos algo aparentemente convencional: os caras tocando num palco com uma maquiagem pesada e roupas de seda branca. Visual, aliás, que hoje soa bastante estranho e um pouco ridículo. Preste atenção, por exemplo, nas pulseiras utilizadas pelo vocalista. A diferença, porém, é a inúmera quantidade de fusão de imagens de acordo com a entrada de cada instrumento, o que deixa o clipe ágil para um trecho onde escutamos uma balada romântica.
Com uma mudança no ritmo da canção – agora ganhando ares de ópera com direito a multiplicação de vozes -, o diretor se sente livre para realizar verdadeiras experimentações visuais. A começar pela sombra escura de Freddie Mercury com a mão na cintura em pose de príncipe. Em seguida, pelos rostos brancos, como esculturas de cera, que se multiplicam na tela, causando uma sensação de que há muito mais pessoas cantando do que as que estamos ouvindo de fato. E, por fim, por vermos o rosto branco do cantor se replicar em imagens azuis numa linha transversal profunda que parece não ter fim, quando ele canta a palavra "figaro" ad infinitum. A seqüência toda parece um caleidoscópio gótico de uma beleza ímpar, raramente encontrada em outros videoclipes com a mesma força.
Deixando para trás o clima de ópera, a música se transforma num rock mais nervoso e as imagens se tornam mais frenéticas e nebulosas, fruto da utilização do gelo seco – procedimento que seria copiado à exaustão. Há aqui também um aumento no número de cortes secos que acompanham os músicos de pé tocando e fazendo jogo cênico, e uma maior movimentação da câmera e da multiplicação de tons verde, rosa e azul, principalmente, o que já acontecera na primeira seqüência.
No final, retorna a balada inicial e a câmera fica mais suave acompanhando a performance musical. Até que, nos últimos acordes, os rostos dos músicos voltam a ocupar a tela e vão se abaixando lentamente até escutarmos e vermos, numa fusão, o toque de um prato de metal.
Temos, portanto, quase um balé visual que nos transporta para um mundo de sonhos, onde conseguimos sentir toda a mudança rítmica da canção apenas pelo visual. Se você não acreditar, faça um teste: tire o som da sua televisão e se deixe levar. Depois, volte a fita e assista o número com som e imagem, e provavelmente irá confirmar o que estou afirmando.
Não há aqui uma historinha com começo, meio e fim, mas, sim, a tentativa de prender o telespectador com efeitos visuais quase hipnóticos. Assim, a letra é utilizada muito mais para se passar um clima do que para efeitos narrativos. A sinopse, então, parece ser as duas perguntas feitas no início da música: "É a vida real? É apenas fantasia?".
Este videoclipe não pode faltar na lista de qualquer amante ou colecionador. Não só pelo fato de ser considerado o primeiro realizado no mundo, mas também porque, apesar de utilizar poucos recursos em relação aos atuais, ele permanece extremamente inovador. Prova de que só tecnologia não basta. O mais importante num videoclipe é ser criativo e conseguir transportar o telespectador para o clima da canção.
É verdade que a sua simples veiculação nas emissoras de TV americanas fez com que o single e o LP "A Night At The Opera" vendessem milhões de cópias. Porém, como mencionamos acima, tomá-lo apenas como uma peça promocional da indústria fonográfica é simplesmente desconsiderar o fato de que ele abriu um viés para que muitos artistas inovadores pudessem se expressar livremente em poucos minutos, e esquecer a beleza de algo que nos transporta para um mundo de fantasia onde o casamento de música e imagem acontece com perfeição, atingindo todos os nossos poros e nos envolvendo num universo novo e enriquecedor.

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